- Pois bem, depois de mais uma longa e agreste noite laborar, na minha sacristia, depois de mais uma noite de encontros e desencontros, tristezas e alguns raios de luz, dei comigo só deambulando pelas ruas, avenidas e becos... Parti disposto a tudo, parti em busca de nada, apenas uma súbita e urgente vontade e desejo de me mexer...
Confesso... As noites cada vez são mais longas e dolorosas, já pouco mais do que a mera rotina me leva à prisão na qual me encarcerei e que chamam de fonte de rendimentos. Serviço rotineiro, pouco mais aprenderei em tal lugar. Histórias, caras, personalidades, personagens, acontecimentos são aos milhares... Já tudo me parece muito... Repetem-se, repetem-se as noites...
Pois bem senti-me contra-corrente, desenquadrado, frustrado, acelerado e aos poucos fui descartando companhias... Corri na esperança de encontrar quem queria, mas tal não se acertou com as estrelas... Parti meus amigos, parti para um mundo que é mesmo só meu, recentemente descoberto, indicado por figura paternal e raramente partilhado com companheiro fiel a tal viagem...
Em certo momento apercebo-me que forço a marcha, pergunto-me para quê, mas forço mais... sinto que algo me começa a acontecer.
No centro o tal combate interior, por fora apenas o suor e as lágrimas... Entro num vórtice de pensamentos cada vez mais fortes e rápidos.... O ritmo cardíaco aumenta, parece que pouco mais tem para dar, surge então um aperto no peito e milésimos de segundo antes de entrar em colapso..... algo acontece...
Voo... (não estou maluco, não... metafóricamente...) Sem espaço, sem tempo, sem o sentir chegar, algo sai de mim... Sinto-me vazio....
Que momento belo. Poder estar vazio.... Apenas eu com... nada!!! Exactamente isso.... Leveza de espírito, de corpo de alma...
Algo me invade... Ouço, olho, inspiro, sinto, paro... Fenomenal... ainda gostaria de saber que raio de substancia hormonal foi segregada... PAZ, meus amigos.... Paz, apenas!!!
Paz sem pensamentos, pedidos, sentimentos, confusões, desejos, anseios, complexos, compromissos.
Continuo a marcha. Escolho um passo mais sereno, lágrimas se soltam, mas de acalmia, esforços só o de me manter lúcido e no rumo traçado...
Dou comigo calmo, situação rara em minha alma, apenas a desfrutar de um isolamento forçado pelo corpo exigido pela mente.... SÓ!!! Sem som, sem luz, sem vibrações... Apenas eu.
À muito que ansiava por um verdadeiro momento de paz, mas ainda não tinha chegado o seu tempo.
Pois bem, o saco encheu... Rebentou de um modo tão satisfatório, tão reconfortante.
Olho nos flancos e apercebo-me de onde estou, onde cheguei... Agora é só regressar. Mãos nos bolsos, cigarro pendurado, viro costas ao infinito... Os pés mandam em mim. Caminham decididamente como se de esperança estivesse preenchido.
Mais tarde, já na viatura, sintonizo o auto-rádio numa estação aleatória e surge-me um cliché... 125 Azul, interpretada por Trovante!!! Intervenção divina ou não...
Lembro-me então de triviais momentos da noite:
- "Desculpe, mas o senhor faz-me lembrar Rui Veloso.."- dizia-me uma paroquiana abraços com recente crise conjugal... Divórcio, mais um caso perdido...
- " Não se preocupem, o homem é o homem dos cordéis... " - dizia-me um rapaz no alto do seu estado embriagado.
- " Marionetas, é mais adequado!" - responde colega em igual estado...
- " Confirma, lembrei-me no outro dia que és tu que preferes mulheres discretas? Explicas?" - pouco tenho para explicar, pouco a ensinar...
- " ... não sei... és complicado e esquisito... tu é que tens de escolher..." - respondia-me prontamente uma amiga...
- "...já viste? Em apenas uma hora? Aprendeste? Foste tu... não eu..." - dizia "o outro", referindo-se a ganhos, estratégia, poder de controlo e coragem aplicadas...
- " Meu amigo, já sabemos... É menina!!!!" - olhos mais felizes que aqueles não vi em toda a noite...
Começo a achar que será uma conjugação cósmica... Tudo prefeito, sereno, calmo e radiante. As memórias surgem com cadencia regular, límpidas como água... Ou é piada de Deus ou algo vai acontecer...
Já é dia a algumas horas quando meto a chave na porta, rituais cumpridos, corpo refeito, subo para os aposentos e decido arriscar...
Filme...
"Blindness - Ensaio sobre Cegueira"
Como diz um amigo meu, "lá está..."; só pode ser mesmo uma piada divinal...
Incrível obra. Rendo-me a Saramago... Adaptação cinematográfica impecável. Actores adequados, uma banda sonora a condizer e argumento fatal...
Fiquei deveras admirado com tal obra. O homem tem razão... Como a cegueira nos limita a vida e a visão da mesma... Pergunto: Sempre é rei, quem em terra de cegos tem um olho? Mais, serão realmente felizes os ignorantes??? Pois bem, isso depende da experiência de cada um de vós, mas recomendo a todos o visionamento de tal Cegueira!
Julgo que sou cego de cegueira...lol... Deixo-me cegar, deixo de ver, sinto que apenas eu me limito. Tal, será o problema?????
Juntem a isso (bem sei que não vos é possível) o combate ideológico de noite passada, frases soltas proferidas sem intenção, peregrinação de absolvição.
Tudo é relativo. Apenas cada um de nós sabe que ligações fazer, a que momentos e de que jeito, mas para mim, digo-vos: ESPERANÇA!!!
É o que resultou. Esperança é um sentimento do qual pouco sei, mas que parece que no momento me enche a alma. Bons ventos se avistam no horizonte, ou apenas um bom estado de espírito...
Meus olhos pesam, os dedos estão doridos. Tenho a alma cheia, mas o sono não perdoa... Até breve...
Long time, no blog...
Há 13 anos
Um comentário:
A esperança é o que nos leva mais longe. Tenta nunca perder a esperança. Concentra-te em ter momentos de alegria. Mas como tudo na vida, tens de lutar. A sorte não nos bate à porta, temos de trabalhar para a encontrar. Procura focar-te nas oportunidades que te surgem, e trabalha sobre elas. Bjinhos
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